sábado, 1 de fevereiro de 2014

O QUE FICA DEPOIS DO BEIJO GAY


por Flavio Brebis

foto: G1

Hoje participei de uma experiência sociológica. Depois do beijo gay na televisão, em horário nobre, na maior emissora do país fui ao centro da cidade para perceber com as pessoas reagiram. Moro numa cidade do Distrito Federal há quase dezessete (amanhã dia 02 de fevereiro de 2014 faz dezessete), com quase 700 mil habitantes e por aqui circulam mais de um milhão de pessoas diariamente, pois é um centro comercial e passagem para algumas localidades. Aqui não é muito diferente do restante do Brasil e já sofri homofobia, sim, apesar de ser uma cidade de gente bem posicionada socialmente (classe média e classe média alta), por ser como sou, gay assumido e, às vezes, com looks exóticos, por gostar de ser gay exótico e nunca ofender ninguém, mas pessoas na rua insistiam em fazer piadinhas e até quererem me agredir fisicamente.
Hoje andei pelas ruas de Taguatinga-DF, parei em bancas de revistas e jornais e a maior parte estava estampada com o Beijo Gay da Globo, inclusive o jornal de maior circulação no DF, fato comemorado de norte a sul por comunidades LGBT e considerado uma “ameaça à família” por grupos de religiosos fundamentalistas. A sensação de andar pelas ruas era de orgulho. O meu sorriso no rosto incomodava.
Milito nos movimentos sociais há mais de 20 anos, na defesa de direitos humanos de pessoas LGBT, escrevo para crianças nas temáticas de diversidade, pois acredito na educação de cidadãos e cidadãs do futuro, mais respeitosos, diante das diferenças e senti que ganhamos uma batalha, ainda modesta, mas emblemática e com uma força simbólica muito importante para a construção de uma representação social positiva de pessoas LGBT no Brasil.
Nos dias atuais, ver fotografias divulgadas nas redes sociais de corpos mutilados e assassinatos bárbaros, motivados por homofobia, causa-me uma revolta na alma, e aí depois de enxugar as lágrimas, sei que devo retomar ao meu trabalho de educador e percebo que nossa tarefa é árdua e é todo dia, na defesa de direitos humanos, na defesa de vidas, inclusive as nossas. E essa é a diferença entre ser fraterno e ser viver na pele, no cotidiano o que é sofrer ataques diários e ser desrespeitado nos seus diretos.
Ver o beijo de pessoas do mesmo sexo na tv, em 2014, diante de tantos ataques e assassinatos homofóbicos e tantos tabus, é resultado da militância de muita gente morreu e morre no Brasil, que acreditou e acredita num mundo em que o amor e as relações socialmente positivas são mais viáveis do que religiões que pregam o ódio.
Hoje (primeiro dia de fevereiro de 2014) fui a um salão de beleza de clientela masculina onde corto meu cabelo (exótico) e os comentários sobre o beijo não foram de ataques homofóbicos, mas de preocupação com a formação das crianças, como se fosse a homossexualidade uma influência. Um avanço na sociedade brasileira, que em menos de vinte anos foi se acostumando com as pautas LGBT na mídia, com as paradas do orgulho LGBT por todo o país, com personagens gays na telenovelas, seriados e filmes brasileiros, além dos profissionais nos diversos setores da sociedade, e ainda as demandas LGBT pela garantia dos direitos sociais.
O que fica depois do beijo entre dois personagens do mesmo sexo (masculino) em uma telenovela, na maior emissora de televisão aberta do Brasil é que chegamos a uma peça de ficção verossímil, que se baseia na realidade para se sustentar e, seria incoerente não haver gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, compõem os tipos humanos, estão presentes em todos os setores, assumindo papéis sociais, sendo assumid@s e bem-sucedid@s em muitas áreas da sociedade, que demonstram afeto de modo tranquilo como qualquer ser humano, com as fragilidades, especificidades e vulnerabilidades.


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